Condições degradantes de trabalho, expropriações, monopólios e devastação ambiental. Tudo isso derruba o mito da energia limpa do agrocombustível
por Lúcia CavalieriA substituição dos derivados de petróleo pelos chamados agrocombustíveis — elaborados a partir da biomassa vegetal — pode parecer a solução para a crise dos fósseis no mundo. Mas do jeito que vem sendo executada vai causar uma série de problemas nos países pobres que apresentam as condições para a produção da biomassa. A produção do etanol brasileiro camufla atividades e relações que não são nada sustentáveis do ponto de vista social. Sem contar a queima indiscriminada da cana-de-açúcar, processo conhecido como devastador ambiental.
Há dezenas de pontos críticos na produção dos combustíveis ditos “ecologicamente e politicamente corretos”. Centenas de milhões de hectares de terras férteis têm sido e serão destinados à produção da biomassa, milhões de produtores rurais do campo são expulsos de suas terras de origem, a poluição da água e do meio, os problemas de saúde com a chuva de fuligem resultante da queimada da palha de cana, a diminuição da diversidade social e biológica por conta do cultivo da cana, a potencial contaminação dos ecossistemas vizinhos por organismos geneticamente modificados, as condições de trabalho degradante dos camponeses, proletários, migrantes e sub-proletariados que trabalham na produção da biomassa.
O agronegócio da cana ocupa o primeiro lugar no ranking de libertações de trabalhadores escravizados no país. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, a CPT, somente em 2008 cerca de 2,5 mil trabalhadores deixaram uma condição análoga à escravidão nas lavouras. O índice corresponde a 49% do total dos 5,2 mil trabalhadores libertos no país. O agrocombustível sustenta ainda outro índice alarmante: entre 2005 e 2006 foram 20 trabalhadores mortos, possivelmente por exaustão, durante o corte da cana. Hoje o Brasil é o maior produtor mundial de açúcar e o segundo maior exportador de etanol. Produzimos cerca de 30% do total de cana-de-açúcar mundial e 18% do total de açúcar. Mas os números sozinhos não demonstram as condições de produção e seus reflexos políticos, econômicos e ambientais.
Na produção brasileira de álcool, a lógica de expansão do capital casou com a lógica territorial do Estado numa união abençoada pelos latifundiários e pelo mercado internacional das commodities. O casamento, bem como a simpatia pela produção dos “bio” combustíveis, não são indispensáveis, mas com eles, o risco do setor diminui. Como alternativa à queima dos combustíveis fósseis, a produção dos agrocombustíveis mostra toda a sanha da produção do capital que expropria os camponeses, monopoliza o território, territorializa-se, impulsiona migrações e polui em vários lugares do mundo.
Enquanto o agronegócio discute uma agenda para transformar o etanol em commodity, o projeto político e econômico centrado na exportação de produtos produzidos na lógica do capital parece que continuará monopolizando território. Contrapondo-se às análises de muitos economistas e da mídia, os movimentos sociais, alguns setores da academia e diversos ambientalistas organizam-se para descortinar ao mundo a violência dessa produção. E questionam a continuidade de um projeto centrado na produção de combustível para abastecer o mercado de automóveis que se pauta no uso individual.
A atual demanda por força de trabalho do setor faz com que milhares de trabalhadores partam todos os anos para São Paulo, muitos deles vindos do Vale do Jequitinhonha (MG). Essa migração, especificamente para o setor sucroalcooleiro, tem provocado mudanças significativas no modo de vida de milhares de famílias que contam com as remessas provindas do trabalho executado pelos homens, que buscam sobreviver sem a presença do chefe de família, marido e pai. Mais um custo que devemos colocar na conta do mito da energia limpa.
Enquanto o agronegócio discute uma agenda para transformar o etanol em commodity, o projeto político e econômico centrado na exportação de produtos produzidos na lógica do capital parece que continuará monopolizando território. Contrapondo-se às análises de muitos economistas e da mídia, os movimentos sociais, alguns setores da academia e diversos ambientalistas organizam-se para descortinar ao mundo a violência dessa produção. E questionam a continuidade de um projeto centrado na produção de combustível para abastecer o mercado de automóveis que se pauta no uso individual.
A atual demanda por força de trabalho do setor faz com que milhares de trabalhadores partam todos os anos para São Paulo, muitos deles vindos do Vale do Jequitinhonha (MG). Essa migração, especificamente para o setor sucroalcooleiro, tem provocado mudanças significativas no modo de vida de milhares de famílias que contam com as remessas provindas do trabalho executado pelos homens, que buscam sobreviver sem a presença do chefe de família, marido e pai. Mais um custo que devemos colocar na conta do mito da energia limpa.
DÊ SUA OPINIÃO, VOCÊ CONCORDA OU DISCORDA DA Dra LÚCIA CAVALIERI? JUSTIFIQUE.
Lúcia Cavalieri é doutora em Geografia pela USP
Bibliografia: Revista Galileu, nº 2401. Editora Globo. Julho de 2011.